Até
mesmo Srimati Radharani diz: "Ele não deve ser culpado.
Esta longa separação de Krishna é apenas o resultado de
Meu destino. Ele não deve ser culpado por isso." Ainda que
externamente todos admitam que Ele foi cruel ao deixar as
Gopis, Radharani não está pronta para responsabilizar a
Krishna. Ela pensa que, "Nele não pode haver nada de errado.
Deve haver algo de errado em Mim que deve ser responsável
por esta situação desafortunada." A competição entre os
grupos de gopis no serviço a Krishna também é harmonizada
desse modo por Radharani. Krishnadasa Kaviraja Goswami explicou
este ponto muito importante. Segundo ele, não é que Radharani
não goste que outros grupos sirvam a Krishna competindo
com Ela, mas Ela sente que essas gopis não conseguem
satisfazer a Krishna tão bem como Ela. E isso deveria ser
notado muito cuidadosamente. Ela sabe que elas não podem
dar satisfação apropriada a Krishna; assim, Ela não pode
apreciar a tentativa delas de tomar o Seu lugar. Essa é
a argumentação dEla. Ela pensa, "Se elas pudessem servir
a Krishna bem e satisfazê-lO plenamente, Eu nada teria a
reclamar. Mas não conseguem. E mesmo assim, de modo agressivo
estão vindo para servir? Não posso tolerar isso."
Kaviraja Goswami citou como exemplo deste tipo de devoção
uma referência histórica dos Puranas.
Certa
vez, um brahmana leproso tinha uma esposa casta.
Ela sempre tentava ao máximo servi-lo. Certo dia, enquanto
banhava seu esposo num rio sagrado, viu que ele se enamorou
da beleza extraordinária de uma prostituta chamada Laksahira.
Seu nome indica que ela possuía o brilho e a beleza de cem
mil diamantes. O brahmana leproso ficou irresistivelmente
atraído por ela.
Ao
voltar à sua casa, a esposa casta percebeu alguma insatisfação
nele e perguntou: "Por que você se sente tão insatisfeito?"
O
esposo respondeu: "Eu senti alguma atração pela beleza daquela
prostituta. E não consigo desviar a minha mente dela."
"Oh!
Você a deseja?"
"Sim,
é verdade."
"Então,
eu tentarei fazer os arranjos."
Desde que ela era pobre, a dama casta, mesmo sendo uma brahmana
qualificada, começou a ir à casa da prostituta todo dia
para trabalhar como serva. Ainda que era aristocrática por
nascimento, aceitou fazer o trabalho de uma serva sem qualquer
remuneração. E realizou seus deveres de modo tão diligente
que atraiu a atenção da prostituta, a senhora da casa, que
começou a perguntar: "Quem limpa tudo tão bem e belamente?"
Ficou
sabendo que uma dama brahmana vinha todas as manhãs
e realizava muitas tarefas domésticas. As demais empregadas
disseram: "Tentamos fazê-la parar, mas ela nem quis ouvir
a respeito. Ela deseja encontrar-se com a senhora."
Laksahira
então respondeu: "Está certo. Amanhã, vocês podem trazê-la
até mim."
Na
manhã seguinte, ao ser levada diante da prostituta, a dama
brahmana expressou seu motivo interior: "Meu esposo está
tão atraído por você que é meu desejo que você possa satisfazê-lo.
Minha preocupação como sua esposa devotada é que ele fique
satisfeito, e esta é a aspiração dele. Portanto, eu desejo
vê-lo feliz."
Então,
a prostituta entendeu tudo e respondeu queL"Sim. Traga-o
amanhã. Eu convido ambos a jantar em minha casa."
Isso
foi contado ao brahmana e, no dia seguinte, eles
vieram. Haviam sido preparados muitos pratos apropriados
para a ocasião. Foram servidas duas entradas. Uma era prasadam
servida sobre uma folha de bananeira acompanhada de água
do Ganges num pote de barro –com todos os alimentos
puramente vegetarianos. Lado a lado, em potes de ouro e
prata haviam muitas carnes e pratos opulentos servidos numa
bela mesa com assentos decorados. Entre os dois tipos de
alimentos, um deles era satviko, puro, e o outro
era rajasiko, repleto de paixão. Então, com as mãos
juntas, a prostituta convidou o brahmana e a esposa
e indicou: "Esta é bhagavat-prasadam, e aqueles são
pratos ricos preparados com carne. Qual deles você prefere
segundo sua doce vontade."
Imediatamente, o brahmana leproso escolheu a prasadam
e começou a comer sua refeição. Depois de ter acabado de
comer sua prasadam, a prostituta disse: "Sua esposa
é como esta prasadam –sattvika–
e eu sou como todas estas coisas rajasikas –carne,
pratos ricos, ouro e prata. Eu sou tão baixa e sua esposa
é a mais pura entre as mulheres puras. Seu verdadeiro gosto
é por esta prasadam sattvika. Externamente, a carne
pode ser muito cativante, mas internamente é muito impura,
nojenta. E portanto você sente repulsão por ela. Assim,
por que você veio até aqui por mim?"
O brahmana caiu em si e disse:"Sim, estou errado. Deus
me enviou uma mensagem através de você. Meu desejo fugaz
terminou agora e me sinto satisfeito. Você é meu Guru!"
Kaviraja Goswami citou esta história no Chaitanya Charitamrta.
A dama casta foi servir a prostituta. Por quê? Para satisfazer
a seu esposo. Então, Radharani diz que, "Eu estou pronta
a servir aquelas que se encontram no campo inimigo, se elas
puderem realmente satisfazer a Krishna. Mas elas não podem.
Contudo, elas ainda têm alguma reivindicação. Mas Eu difiro
nesse ponto. Não é que Eu esteja preocupada que a Minha
parte esteja diminuindo. Essa não é a Minha atitude. Sempre
que surgem circunstâncias desfavoráveis, Eu penso que estão
sempre surgindo de dentro de Mim (durdaiva vilasa);
Eu não percebo nada corrupto que deva ser detectado externamente."
Essa
deveria ser a atitude de um verdadeiro devoto de Krishna.
Com esta atitude, seremos capazes de perceber dentro de
nós mesmos que, em última análise, tudo é parte do bem absoluto.
Ainda que isso não é fácil, nossa energia deveria ser devotada
apenas para coletar a vontade de Deus das circunstâncias
externas. Desse modo, devemos ser cuidadosos de percebermos
as coisas de tal modo que possam purificar nossa própria
posição. E somos encorajados desse modo pelo Srimad Bhagavatam
a olhar mais a fundo. Precisamos tentar olhar mais a fundo
e, então, encontraremos nosso amigo; se formos liberais
em nossa atitude em relação ao ambiente, não poderemos deixar
de entrar em contato com o plano que é realmente liberal.
Essa
é a consciência de Krishna em seu alcance máximo. Ao examinar
profundamente a realidade com este tipo de visão, encontraremos
nosso lar verdadeiro. Prahlad corajosamente lidou com todas
as circunstâncias adversas e por fim saiu vitorioso. O cálculo
do pai demoníaco de Prahlad sobre o ambiente acabou se mostrando
falso, e a visão mais profunda de Prahlad percebeu a realidade
do modo correto. Ele viu que Krishna Se encontra em toda
parte. E a consciência de Krishna comanda o todo. Portanto,
não devemos nos sentir desencorajados em nenhuma circunstância,
por mais aguda que nos possa parecer. Krishna está lá. Por
mais que as circunstâncias pareçam se opor a nós, na verdade
não é desse modo. Se apenas pudermos desenvolver a visão
correta, veremos o rosto sorridente do Senhor aparecendo
por trás da tela. Isso é a consciência de Krishna. Krishna
é belo e está ansiosamente esperando para aceitar nossos
serviços.