Um ponto importante a conceber é o princípio de parakiya
como se aplica a nossa vida atual. Todas as nossas obriga-
ções cármicas são análogas à posição do esposo
(pati). No sistema social hindu, o esposo detém
controle completo (senhorio) sobre a esposa. Eliminar
a gratidão a ele, desobedecê-lo e procurar conforto e
prazer em outro (amante) é como livrar-se das obrigações
com todas as forças dominantes, fora Krishna.
As
forças de nossas atividades passadas têm o direito de exigir
de nós. Ao vagarmos pelo mundo, incorremos em tantas obrigações,
em tantos lugares, que isso não pode ser negligenciado.
Karma e jñana desejam ser nossos mestres,
cobrar de nós o que nos emprestaram para quitar a dívida.
Deveriam ser vistos como o esposo: eles têm exigências que
devemos cumprir. Desobedecê-los (ao esposo) e usarmos nosso
livre arbítrio para irmos para o lado de Krishna é como
parakiya bhajan (a devoção de amante).
De
um lado temos a cobrança total do meio ambiente, e do outro,
o uso de nosso livre arbítrio nos leva rumo a Deus (Krishna),
ignorando a obrigação externa. Isso é trair o esposo (pati-vañchana).
É como quando tomamos dinheiro emprestado e somos obrigados
a pagar de volta a quem nos empresta. Não é permitido lidar
com ele publicamente de modo a destroná-lo, depô-lo e desobedecê-lo.
Não podemos escapar de nossa obrigação. Mas, com o livre
arbítrio, desde a região mais profunda de nosso coração,
podemos nos aliar a Krishna. De nossa vida anterior, adquirimos
tantas tendências anti-Krishna que nos mantêm prisioneiros.
De algum modo, temos de levar nosso livre arbítrio para
longe delas, inconscientemente, sem elas saberem, e dedicá-las
a Krishna. É possível fazer isso a partir de nossa posição
atual. Onde quer que estejamos, independente de quanto de
dívida tenhamos –não importa o tamanho da carga–,
o livre arbítrio nos removerá daquele círculo obrigatório
e direcionará tudo para o lado de Krishna.
Nossa
simpatia interna (preconceito, seleção) deveria dirigir-se
nessa direção. Oramos por isso. Realizamos que nos encontramos
em meio a um ambiente desfavorável. O esposo, os cunhados,
a sociedade e até mesmo a escritura —todos estão contra
mim. Enganando-os, secretamente, com meu livre arbítrio
e com a ajuda de um grupo em particular (Seus devotos),
eu me aproximarei de Krishna.
Discípulo: Maharaj, essa explicação é maravilhosa!
Srila
Guru Maharaj:Todos os preconceitos estão representados
pela sociedade e até mesmo pelas escrituras (códigos morais)
e isso inclui quase tudo (arya patham, svajanam).
Todos eles situam-se de um lado. Ao desapontá-los,
usarei o meu livre arbítrio para dedicar o meu coração em
segredo a Krishna. "Meu Senhor, com Seu próprio agente,
tire-me daqui. Leve-me embora!" Devemos ser corajosos e
bastante valentes para desobedecer às obrigações, nos aproximarmos
com nossa prece mais íntima e com nosso auto-interesse e
nos dedicarmos como naivedyam (uma oferenda) aos
pés de lótus de Krishna e de Seus devotos.
Discípulo: Penso que seria mais fácil para uma
mulher desenvolver este humor...
Srila
Guru Maharaj: Não, é exatamente o contrário. Será
difícil para elas devido à semelhança, já que a coisa pervertida
tentará ocupar a posição daquilo que é genuíno. É uma posição
mais perigosa. Aparentemente, pode parecer que será fácil
porque aqueles a quem falta o privilégio receberão mais
graça. Mas devemos ser cuidadosos em nossa análise para
não confundirmos a natureza feminina do mundo material com
a feminilidade da região espiritual.
Discípulo: Maharaj, o que eu quero dizer é que,
enquanto temos o falso orgulho de sermos homens, não podemos
desenvolver esse humor. Assim, temos de abandonar essa tendência,
esse sentimento de que somos o purusha (desfrutador)…
Srila
Guru Maharaj: O que isso significa é que nós não
somos os desfrutadores mas existimos para ser desfrutados.
Esse é o conceito negativo básico. Não estamos destinados
a manipular mas a ser manipulados. Esta é a atitude deliberada:
de passivamente oferecer a nós mesmos. É a não-afirmação.
Para pregar, ficamos ativos, no sentido de convertermos
o equívoco na concepção apropriada, mas, quando nos voltamos
para o lado de Krishna, isso se dá exclusivamente por uma
questão de graça. É como o pássaro chataka que só
bebe água da chuva: a nuvem pode atirar um raio ou chuva,
mas ele não tem outro abrigo (virachaya mayi dandam dinabandho
dayam va). Ao deixar de nos auto-afirmar e não reivindicarmos
nada, estabelece-se uma demanda secreta. Na proporção em
que ficamos dotados de uma atitude não-reivindicativa, a
nossa reivindicação é estabelecida lá automaticamente. Dedicação
significa que o grau de atitude não-reivindicativa estabelece
uma reivindicação naquela terra maravilhosa.
Lá
florescemos, e aqui morremos. A teoria de Hegel é de "Morrer
para Viver!" (risos). Essa filosofia do sahib Hegel
é muito boa: "A Realidade existe para Si" e "Morrer para
viver!" Essas duas afirmativas me impressionaram muito —são
conceitos abrangentes. Krishna é Todo-Consumidor: tudo existe
para Ele. E "Morrer para Viver!" Se você deseja viver, você
terá de morrer. Se deseja viver, aprenda a morrer, "Dissolva
seu ego!" Morrer significa dissolver nosso ego. Então, uma
a uma, as coberturas de nossa alma serão descartadas. Aquele
raio mais refinado e valioso, a jóia interna, aparecerá
em sua glória impecável.