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Atado pelo Afeto

Srila Bhakti Sundar Govinda
Dev-Goswami Maharaj


(Sua Divina Graça Srila Bhakti Sundar Govinda Dev-Goswami Maharaj reflete a respeito dos eventos que envolvem seus primeiros dias no Sri Chaitanya Saraswat Math aos pés de lótus de Seu Mestre Divino, Srila Bhakti Raksak Sridhar Dev-Goswami Maharaj. Ele contou a história 50 anos depois, aqui no Math, em Navadwip.)

___________________

Nasci na aldeia de Bamunpara, que era conhecida antigamente como Brahmanpara e a qual vocês visitaram recentemente. Estudei na escola do vilarejo e, mais tarde, fui à escola em Putsuri.

Naquela época, meu pai vendeu a propriedade de Bamunpara e comprou uma casa nova em Rangpur. Então, nos mudamos deste distrito para lá. Meu tio materno e sua família moravam em Rangpur. Eles eram muito ricos e convidaram meus pais a se estabelecer lá.

Era uma época em que a tensão política crescia até produzir a divisão inevitável entre a Índia e o Paquistão que acabou por acontecer em 1947. Quando meu pai morreu em Rangpur, minha família e eu retornamos à minha Bamunpara nativa.

Fiquei com a responsabilidade de suportar a família. Eu precisava receber algum treinamento em algum tipo de profissão. Portanto, fui para ser treinado em um pequeno hospital beneficente que combinava um dispensário e uma enfermaria. Não sei se ainda existe. Eram poucos médicos e enfermeiras —apenas um médico e uma enfermeira que davam atendimento, e eu.

Naquela época, existia uma lei não escrita de que, se você fosse treinado por um médico por cinco a dez anos, você era aceito como médico com todo direito de exercer a profissão. Por isso, eu ia diariamente a dois dispensários distantes dois quilômetros um do outro. Em cada um deles, eu abria o dispensário. Logo chegava alguém que fazia a limpeza e preparava o local para mais um dia de trabalho.

Depois que o médico chegava e começava a atender os pacientes, eu aproveitava a oportunidade para ir jogar futebol. Essa era minha rotina diária. Depois disso, às vezes, eu retornava ao hospital e, outras vezes, voltava para a aldeia de Nadanghat onde ficava na casa de um poderoso zamindar, um grande latifundiário e, consequentemente, muito rico. Ele e sua família gostavam de mim.

Tenho sorte de que, por toda parte, as pessoas gostavam de mim. Nadanghat fica a 12 km de Navadwip e a cerca de 15 km de Bamunpara. à noite, depois de jogar bola, eu relaxava com meus amigos e jantávamos, o que quase sempre incluía channa (ricota frita) e sak (espinafre). Então, retornávamos à mansão daquele zamindar para ler. Naqueles dias, eu lia romances, e muitas vezes, à noite, acabava dormindo na biblioteca.

Atraído pelos sadhus

Certo dia, chegou um grupo de quatro ou cinco sadhus do Sri Chaitanya Saraswat Math. Eu os vi pela primeira vez às 19h30. Eles cantavam kirttans e depois davam uma palestra sobre o "Srimad-Bhagavatam". Eu me senti atraído a eles. Um dos sadhus parecia ser especialmente exaltado. Ele tinha traços corpóreos muito santos. Quando o vi dando uma palestra sobre o "Srimad-Bhagavatam", ele me lembrou Srinivas Acharya palestrando na assembleia do Rei Birhambir.

Eu já tinha lido muita literatura Vaishnava e estava familiarizado com a história do Rei Birhambir. Antes de se tornar um discípulo de Srinivas Acharya, ele fora o chefe dos dacoits (bandidos). Vocês ouviram a respeito desses eventos? De qualquer modo, ao apresentar o seu discurso, aquele sadhu exaltado parecia-se muito a Srinivas Acharya.

Muitas pessoas vieram ouvir a sua palestra, talvez uma centena de pessoas. Entre os presentes, estavam três ou quatro zamindares meus conhecidos, todos eles dacoits. Mesmo que fossem dacoits, eu os considerava como se fossem meus avôs. Eu constantemente fazia troça deles e os provocava, e, algumas vezes, até mesmo os castigava muito, e eles gostavam de mim por isso. De certo modo, eles gostavam que eu os castigasse.

Ao ouvir a palestra revolucionária belamente apresentada por esse brahmachari, eu fiquei muito impressionado. Não era igual às palestras costumeiras apresentadas pelos "goswamis" errantes e, depois de ouvi-la, me sentia muito atraído. Assim, no dia seguinte, retornei.

Desde pequeno, eu tocava o tambor mridanga, e era muito bom cantor, pois tinha algum talento. Quando cheguei, eles cantavam "Vande guroh sri charanaravindam". Pedi que me deixassem participar tocando a mridanga. Eles ficaram surpresos com meu pedido, pois eu era apenas um menino aldeão. Eles me deram a mridanga e, quando eu toquei, eles ficaram impressionados.

Naquela época, eu era um cantor profissional, mas essa é outra história. Meu pai era muito famoso como cantor profissional de canções Vaishnavas, kirttans, etc. naquele distrito e em outros. Aprendi dele muitas canções. Ele morreu quando eu tinha catorze anos. Poucos sabiam que meu pai, por ser um cantor profissional que liderava um grande grupo de sankirttan, tinha de ser pago para manter o grupo. Ele cobrava 200 a 250 rúpias, o que era muito dinheiro naquela época.

A tristeza de meu tio

Certo dia, encontrei meu tio sentado na varanda, chorando. Ele era muito forte fisicamente e um lutador do tipo de arte marcial que usa um bastão. Na verdade, ele era um famoso lutador com bastão, e era muito inusitado vê-lo naquele estado. Ao vê-lo desse modo, perguntei por que chorava. Ele me respondeu que meu pai havia sido convidado para cantar numa apresentação particular, mas quem fizera o convite não sabia que ele já havia partido deste mundo. Isso comoveu o coração de meu tio e provocou a sua tristeza.

Meu tio disse que a pessoa voltaria para conversar sobre o evento mas que ele não conhecia ninguém que pudesse cantar no lugar de meu pai. Eu disse que havia uma solução, e que ele podia aceitar o convite. Ele pareceu surpreso e me perguntou: "Mas quem cantará as canções?" E eu respondi: "Eu posso cantá-las."

Meu tio nunca me ouvira cantar e quis saber como eu aprendera essas canções, já que na época eu era muito jovem para ouvir canções sobre os passatempos da madhurya-rasa (passatempos de amor conjugal) de Sri Sri Radha-Krishna.

Meu pai não me permitia cantar esses kirttans, pois ele pensava que, por ser muito jovem, eu era desqualificado para isso. Eu sequer tinha permissão de ouvir canções de um nível tão elevado. Contudo, eu me sentia muito atraído a elas. Portanto, sempre que meu pai cantava, eu o seguia e me escondia num arrozal próximo, de onde era capaz de ouvi-lo cantar as canções. Às vezes, ele precisava de um mês inteiro para cumprir todos os convites que recebia num único vilarejo.

Eu estava muito apegado às canções sobre Radha-Krishna. Na época, minha memória era muito pura e eu era capaz de memorizar cada canção que ele cantava. Também, meu pai dava aulas diárias a alguns estudantes, enquanto eu fingia estar lendo a uma certa distância. Mas, ao invés de ler, eu ouvia o que meu pai ensinava. Desse modo, tornei-me qualificado.

Expliquei isso a meu tio. Ele estava muito surpreso e me levou à sua casa para que eu cantasse uma canção "pesada". Eu a cantei do começo ao fim, e ele chorou mais uma vez e me abraçou. Ele sabia agora que poderia aceitar o convite e dizer que: "Sim, meu irmão não está mais neste mundo, mas o filho dele satisfará o compromisso."

O compromisso ficava num vilarejo muito longe —cerca de uns 30 km. Foi assim que teve lugar o meu primeiro compromisso como cantor profissional. Depois disso, viajei a muitas aldeias e cantei muitas canções. Desse modo, fui capaz de ganhar mais experiência e conhecimento.

Minha primeira associação

Depois de ter visto e ouvido os sadhus cantando, eu me senti naturalmente atraído e me juntei a eles. Eles estavam muito satisfeitos comigo. Eles falaram um pouco de Harikatha e me perguntaram porque eu jogava futebol. "Ao invés disso, venha conosco e conversaremos com você."

Até esse momento, eu nunca tinha me misturado a sadhus, mas senti a força de seu afeto e fiquei muito apegado a eles. Assim, parei de jogar futebol e comecei a andar com esses devotos. Esse foi o começo de minha associação com os sadhus.

Eles começaram a me ensinar que este corpo não é nada, que a mente não é nada, que este mundo não é nada, que seu pai não é nada, que sua mãe não é nada — que tudo é nada, somente Krishna é a realidade, e tudo o mais é material e temporário. Um dia, você morrerá, e deve estar preparado para esse momento. Quando se nasce, a morte tem de acontecer. Depois da morte, o que você fará? Você não sabe quando a morte virá nem para onde você irá. Na próxima vida, seu pai e sua mãe podem ser um cachorro e uma cadela — você não sabe quem se tornará seu próximo pai e sua próxima mãe. Eles ficaram pregando desse jeito.

Por ser um menino, eu era muito simples de coração e acreditei em tudo que os sadhus me disseram. Eles exerceram tamanha influência sobre mim! Eu perguntei brincando se eles me levariam com eles. E eles disseram: "Sim, levaríamos você conosco, mas, e você... você viria conosco?" E eu respondi que sim!

Depois de ter prometido ao sadhu que, "Sim, eu irei com vocês", tentei evitar que me levassem. Mas eles estavam ansiosos de me levar com eles. Eles imediatamente aceitaram o que eu tinha dito a eles.

Depois de meu repentino "Sim" e de ter concordado em ir com eles, eu fiquei muito perturbado. Eu nunca tinha mentido em minha vida. às vezes, eu penso que minha única boa qualidade era que eu nunca mentia. Qualquer promessa que eu fizesse, eu tinha de mantê-la, e eu tinha feito uma promessa diante dos sadhus.

Pertencendo a uma família Vaisnava e tendo lido muitos livros Vaisnavas, eu estava muito consciente da história de Nityananda Prabhu. Seu pai, devido ao poder de uma promessa, tinha dado seu filho a Madhavendra Puri. Eu conhecia essa história mas, mesmo assim, tentei encontrar um meio de evitar ter de cumprir a promessa que fizera aos sadhus.

Considerei que me sentiria aliviado se os sadhus me dissessem que não era necessário ir com eles. Mas eles não disseram que "Não, não é preciso vir conosco". Pelo contrário, eles estavam sempre fazendo uma "lavagem cerebral" em mim.

Todo dia, eu me aproximava dos sadhus, e eles faziam mais "lavagem cerebral" em mim. Eu retornava ao dispensário e depois ao hospital e então chorava. Pensava: "Oh, como é que abandonarei tudo aqui? Mas prometi aos sadhus que iria com eles. Como posso evitá-lo?"

Considerei o assunto de várias maneiras, mas, ao chegar perto dos sadhus, eu recebia mais força no sentido contrário e pensava: "Sim, tenho de ir!" Mas cada vez que retornava ao hospital, tentava imaginar um meio de dar um jeito nessa dificuldade. Eu tinha muitos compromissos.

Plano para alívio

De qualquer modo, finalmente me decidi por um plano que me daria ao menos uma oportunidade de evitar ter de ir embora com os sadhus. Eu pensei que, se modificasse a minha promessa e dissesse a eles que, "Sim, irei com vocês se me levarem hoje mesmo, mas não em outro dia", então eles não seriam capazes de me levar, porque no dia seguinte estariam realizando um grande festival na aldeia. Desse modo, eu seria liberto de qualquer compromisso. Eu esperava que sua resposta fosse: "Levaremos você amanhã." Eu então diria: "Não, amanhã eu não posso ir, tem de ser hoje." Esse era meu plano.

Eu era muito simples assim e me aproximei dos sadhus com minha declaração. Quando disse a eles que só poderia ir se fosse hoje mesmo, sua resposta foi bastante inesperada para mim. Eles ficaram muito felizes com minhas palavras e disseram: "Muito bom. Hoje à noite mesmo levaremos você!" Então, naquela noite, eles me roubaram.

Roubado para Krishna

Eram 2 horas da madrugada, e a jornada começou tendo de atravessar o rio em Nadanghat. Naquela hora da noite, não havia barco algum para nos fazer atravessar o rio, assim, guiado pelo sadhu Jayadwaita Brahmachari, tive de atravessar o rio a nado junto com ele.

Ele era discípulo de Prabhupada Srila Bhaktisiddhanta Saraswati Thakur e morava com Srila Guru Maharaj. Srila Guru Maharaj o enviara junto com outros sadhus para pregarem em Nadanghat.

Depois de algumas horas de caminhada, chegamos aos arredores da cidade de Navadwip e paramos. Perguntei ao sadhu Jayadwaita Prabhu: "Onde fica seu ashram?" Ele apontou para uma construção muito simples.

Naquela época, aqui no Math, existia apenas uma pequena construção de três cômodos. Eu fiquei um pouquinho desapontado. Durante a minha infância, tinha lido no "Mahabharata" e no "Ramayana" as descrições dos ashrams de Vasistha, de Visvamitra e de muitos outros. Conhecia essas descrições, mas este ashram não se assemelhava àqueles. Havia apenas uma construção, e eu estava um pouquinho desapontado.

O brahmachari explicou: "é uma construção pequena mas, dentro dela, mora um sadhu muito, mas muito grande."

Ao ver a construção, eu não fiquei muito feliz em meu coração. Mas já tinha largado a minha aldeia e não podia mais voltar atrás. Eu me havia comprometido... então, tinha de ficar.

Naquele momento, Srila Guru Maharaj caminhava na varanda, cantando em suas contas. Então, Jayadwaita Brahmachari Prabhu me mostrou: "Ele é nosso Guru. venha!"

Subimos até a varanda, e Jayadwaita Prabhu ofereceu suas reverências prostradas e me disse que fizesse o mesmo. Nesse momento, Srila Guru Maharaj perguntou: "Onde você encontrou este menino?" Jayadwaita Prabhu fez uma curta descrição do ocorrido e finalmente disse: "Foi desse modo que hoje este menino se juntou a seu ashram ". Srila Guru Maharaj respondeu que: "Ah, ele é um menino muito bom e muito inteligente."

Srila Guru Maharaj pensou que, "Se eu puder prepará-lo, esse menino será uma boa arma para nossa sociedade." Ele me perguntou: "Você pode ficar vivendo no ashram?" Eu estava surpreso e pensei, "Por que esse sadhu me pergunta se eu posso ficar? Vim para ficar e isso já é definitivo, então, porque ele me pergunta, 'Você pode ficar ou não?'" Na ocasião, eu não tinha idéia mas respondi: "Sim, eu posso ficar."

Primeiro jejum

Isso aconteceu no dia do aparecimento de Nrisimhadeva, um dia de jejum completo. Eu nunca jejuara antes. Desde que recebera formalmente a iniciação tradicional de brahmane, eu seguia o Ekadasi e nunca comia grãos naquele dia, mas jamais tinha jejuado. Ao invés de jejuar, nos dias de Ekadasi, costumávamos comer alu-dham (vegetal de batatas) e beber um pouco de receitas feitas de leite. Desse modo, respeitávamos o Ekadasi comendo preparações muito boas que tinham um gosto diferente.

Mas agora me diziam que: "É o Nrisimha Chaturdasi, você não terá nada para comer." Naquela época, eu não sabia nada sobre o Nrsimha Chaturdasi e, tendo caminhado a noite inteira, eu me sentia muito esfomeado. Aproximei-me de Jayadwaita Prabhu e disse a ele: "Ó Prabhu, estou faminto." Ele me respondeu dizendo: "Hoje é dia de jejum total." Perguntei: "Não posso comer nada?" Ele me disse que podia comer alguma fruta. Mas onde conseguiria encontrar uma? Apontei para um mamoeiro próximo e Jayadwaita Prabhu então me disse: "Sim, você pode comer um mamão. Mas deve dar a metade para a Deidade e o resto você pode comer".

Nessa noite, depois do Nrsimha-puja, eles me deram bastante alu-dam, e no dia seguinte houve um belo festival com muita Prasadam. Especialmente o paramanna (arroz doce) era realmente saboroso.

Dois dias depois, o resto do grupo de pregação retornou de Nadanghat, e parecia que agora eu já tinha muitos amigos. Srila Guru Maharaj tinha me examinado, e foi a minha boa fortuna que ele ficou muito atraído por mim. Ele procurava algum rapaz que pudesse vir a ser o futuro Guru de sua missão. Ele tinha uma fórmula: o rapaz em particular tinha de ser brâmane, inteligente etc., com o potencial para ser um guru.

Na época, Srila Guru Maharaj procurava alguém a quem pudesse preparar para continuar sua sucessão discipular. A me ver, ele me testou. Ele chamou Srila Krishnadas Babaji Maharaj e outros de seus amigos e pediu que eles também me testassem. Cada um deles apresentou um relatório muito positivo a meu respeito a Srila Guru Maharaj. Entre eles estava a irmã de Srila Guru Maharaj, Rama Didi. Srila Guru Maharaj também perguntou a ela: "Rama Didi, você vê este menino; no futuro ele será bom ou mau?" E Rama Didi respondeu: "Não posso predizer o futuro, mas agora ele me parece bom. Sim, eu penso que este menino é muito bom."

No começo, eu estava um pouquinho duvidoso se tinha feito a coisa certa ou não. Eu era apenas um rapaz e já tinha dado o passo de sair de minha casa e me juntar ao Math, mas isso na verdade foi feito por emoção e não por devoção. No começo, eu me sentia muito infeliz, mas, mais tarde, quando obtive a misericórdia de Srila Guru Maharaj, me tornei muito feliz.

De qualquer modo, depois de cerca de um mês, fomos com Srila Guru Maharaj ao Distrito de Midnapore. Em Midnapore, fica o Math de Sripad Jajavar Maharaj. Na época, Srila Guru Maharaj chegou a declarar que, se pudesse treinar este menino, ele se tornaria seu sucessor. Isso causou algum conflito com os brahmacharis do Math, até mesmo com aquele brahmachari que lera o "Bhagavatam" para mim, que antes gostara muito de mim e que me levou a pregar com ele tantas vezes.

Ao ouvir essa declaração de Srila Guru Maharaj, todos ficaram muito invejosos e, nesse dia, começou minha vida de conflitos. De Midnapore, Srila Guru Maharaj nos levou para Puri, para o Ratha Yatra. Faltavam quinze dias para o festival, e Srila Guru Maharaj nos mandou pregar no distrito de Ganjam.

Depois desse programa de pregação, um certo brahmachari não queria me levar a Puri para o Ratha Yatra. Srila Guru Maharaj ficou muito zangado e mandou um telegrama para que ele me levasse imediatamente para Puri. Na verdade, somente chegamos no dia em que tinha lugar o festival de Ratha Yatra, e Srila Guru Maharaj ralhou com aquele brahmachari: "Ele é um rapaz novo e nunca participou do Ratha Yatra antes. Por que você não queria dar-lhe a oportunidade de ver o Ratha Yatra?"

Desse modo, ele brigou pesadamente com o brahmachari. Naquela época, a norma do Math era que um recém-chegado tinha de morar no Math por no mínimo seis meses antes de ser considerado pronto para iniciação. Mas Srila Guru Maharaj quebrou a regra e me deu iniciação naquele mesmo dia do Ratha Yatra. Ele me chamou e disse: "Agora, vou iniciar você."

Houve alguma objeção do outro lado —não direta, mas indireta— mas Srila Guru Maharaj não deu atenção. Ele me deu a primeira iniciação em Puri Dham. Srila Guru Maharaj me disse: "Quando você cantar, cante atentamente e não fique pensando sobre o tempo gasto."

Dias ativos no Math

Eu passava o dia inteiro trabalhando. Tinha uma natureza muito inquieta e sentia que tinha de estar sempre fazendo algo. Não conseguia ficar em qualquer lugar sem estar trabalhando. Assim, trabalhava o dia inteiro. Sentia que precisava estar sempre ocupado.

Aqui no Math, se não houvesse o que fazer, eu subia no longo mastro da bandeira. Subia no mastro e descia para novamente subir. Eu fazia isso à tarde, enquanto os outros descansavam ou dormiam. Eu não descansava nessa hora. Outras vezes, trepava numa grande mangueira. No primeiro ano de minha vida no Math, as mangueiras estavam repletas de mangas, e eu subia ansiosamente nas árvores e comia mangas sentado nos galhos. Todos reclamavam de mim, mas eu não tinha medo, ou seja, eu era um menino aldeão —era destemido. E ainda sou destemido. Sinto que o Senhor Shiva está sempre comigo, me protegendo.

Quando eu era ainda mais jovem, costumava entrar na selva onde havia tigres, ursos e muitos outros animais perigosos, mas eu andava muito contente por essas florestas. Enquanto morei nos vilarejos, sempre senti que tinha esse tipo de proteção do Senhor Shiva. Ainda hoje, sinto sempre a proteção do Senhor Shiva; sinto que ele está sempre cuidando de seu próprio filho. Eu nasci por uma bênção do Senhor Shiva e, devido a essa oportunidade especial, sou uma pessoa destemida. Esse é o começo da história de minha vida.

Servo pessoal de Srila Guru Maharaj

Srila Guru Maharaj me fez seu servo pessoal. Eu fazia todo o seva pessoal de Guru Maharaj, e ele constantemente me ensinava muitas coisas. Passados cerca de seis meses, talvez um pouquinho menos, Srila Guru Maharaj fez os arranjos para que eu estudasse sânscrito diariamente com um pandita que vivia na cidade de Nabadwip.

Então, certo dia, encontrei meu tio caminhando na estrada. Ele me reconheceu. Ainda que naquela época eu era um brahmachari vestido de açafrão, ele logo me reconheceu. "Ah, aqui está você! Estivemos procurando você em vários lugares mas não pudemos encontrá-lo, e aqui está você em Nabadwip." Eu Respondi: "Sim, sim, aqui estou eu. Estou vivendo no Math. Por favor, venha ao Math. Por favor, por favor, venha! Eu moro lá." Mas, ele perguntou: "Onde é
seu Math?" E eu disse a verdade.

Isso foi um erro. Se eu tivesse mentido, eles não poderiam ter me achado, mas eu disse a verdade: "Estou morando no Sri Chaitanya Saraswat Math."

No dia seguinte, por volta das 10h30, eles chegaram. Eram doze gigantes e meu tio, acompanhados também por alguns panditas. Eles estavam em Nabadwip na ocasião. Quando chegaram, eu estava ocupado montando uma cerca na frente do Math. Eles me agarraram e tentaram me levar embora à força, dizendo, "Oh, eis o nosso menino". Eles tentavam me levar embora e eu gritava muito alto, "Oh,
eles estão me levando embora! Estão me levando!"

Foi uma graça que, naquele momento, apareceu um goala (leiteiro) bem grande que tinha muito respeito por Srila Guru Maharaj e costumava servi-lo também. Seu nome era Ashwini Ghosh. Eu apelei a ele: "Ashwini, eles estão me levando embora daqui!" E Ashwini veio e os interpelou: "Por que vocês estão levando este menino embora?" Eles responderam: "Este é nosso menino, por que não poderíamos levá-lo?" Então, Ashwini disse: "Se isso é verdade, vocês devem primeiramente ir até Maharaj e falar com ele, então poderão levar seu menino embora".

Eles notaram que o goala era muito forte e quase que certamente um dacoit (bandido). Muitos dos goalas naquela época eram dacoits. Especialmente nesta área, moravam muitas famílias de dacoits famosos, e todos sabiam disso. Assim, meu tio e seus amigos não puderam forçar a situação e tiveram de ir ter com Guru Maharaj e conversar com ele.

Srila Guru Maharaj disse: "Vocês somente poderão levar o menino embora se forem capazes de me derrotar no debate filosófico. Caso contrário, deixarão o menino aqui. Está certo?"

Estavam presentes talvez uns três eruditos em filosofia Vedanta, que se consideravam grandes eruditos. Eles pensaram: "Sim, não haverá qualquer problema", e concordaram. Eles retornaram no dia seguinte e foram derrotados com grande facilidade por Srila Guru Maharaj. Tentaram novamente por mais dois dias mas, toda vez, eles foram derrotados. Desse modo, não puderam me levar embora e tiveram de dar essa notícia à minha mãe. Então, minha mãe veio, e foi assim que aconteceram tantas coisas.

"Este menino será meu sucessor"

Na época, moravam no Math quatro ou cinco brahmacharis muito poderosos. Três eram particularmente qualificados e esperavam que um deles seria escolhido para ser o Acharya deste Math depois de Guru Maharaj. Mas, quando Srila Guru Maharaj declarou que "Este menino será meu sucessor", todos eles começaram a brigar comigo.

Na época, tínhamos uma filial em Calcutá na casa de Bhaktivedanta Swami Maharaj. Srila Swami Maharaj tinha dado dois quartos a Guru Maharaj para sua pregação. Ele foi a única pessoa capaz de inspirar Srila Guru Maharaj a sair de Nabadwip e ir a Calcutá.

Foram feitos arranjos por lá para que eu pudesse estudar gramática, Kavya, Vedanta, etc. com dois panditas. Todo dia, Swami Maharaj também me ensinava diretamente tantas coisas. Na verdade, Srila Guru Maharaj era meu professor, e sua erudição era incomparável.

Naquele ano, ficamos em Calcutá por três meses. Depois, fomos para Vrindavan por três meses e para outro local por mais três meses, viajando desse modo sempre para diferentes lugares. O tempo todo, meu professor principal
era Srila Guru Maharaj, mas, onde quer que chegássemos, Srila Guru Maharaj sempre conseguia algum outro professor para mim.

Em Vrindavan, meu professor era Visvambar Babaji Maharaj. Ele era um bom babaji... muito bom. Nem posso acreditar o quão bom ele era. Vinte anos depois, quando visitava Mathura, ouvi dizer que ele ainda estava vivo e fui visitá-lo. Ao me ver, Babaji Maharaj ofereceu-me reverências prostradas.

Que mais posso dizer? Eu estava surpreso e atônito vendo aquele que era um grande babaji fazer aquilo. Todos o respeitavam como sendo um babaji erudito e altamente qualificado. Eu lhe tinha oferecido minhas reverências de brahmachari por cortesia, mas ele me ofereceu reverências prostradas em troca, o que me surpreendeu.

Eu disse a ele: "Babaji, eu sou seu aluno e o senhor é meu professor. Por que o senhor fez isso? Sinto que é uma ofensa aceitar tais respeitos do senhor." Babaji Maharaj respondeu: "Oh, Baba! Ao ver você, senti que era Mahaprabhu que estava diante de mim, e prestei meus dandavats a Mahaprabhu. Você pode ser meu aluno, mas ver você me fez lembrar de Mahaprabhu, e eu não pude fazer nada além disso. Não foi para ofender você."

Eu vi quão humildes e tolerantes são todos os habitantes de Vraja-Dham. Eles toleram tanto, mas este babaji tinha uma mentalidade extremamente renunciada. Ainda que fosse um babaji sahajiya, meu sentimento era de oferecer-lhe minhas reverências. Naquele momento, a etiqueta regular havia sido temporariamente removida. De qualquer modo, somos seguidores de Srila Saraswati Thakura. O caminho daquele babaji era um pouco diferente, sem dúvidas, mas eu não sabia o quão qualificado ele era. Assim, prestei minhas reverências a ele. Desse modo, ofereci meus respeitos a esse babaji, mas fiquei muito surpreso de ver seu comportamento. Ele era meu professor e me reconheceu como seu jovem estudante de há vinte anos atrás.

Atado pelo afeto

Com o passar do tempo, Srila Guru Maharaj me oferecia cada vez mais de seu afeto. Na verdade, desde o início, eu ficara atado por seu afeto e não pela consciência de Krishna. Foi apenas seu afeto por mim e sua atenção que me deram uma super oportunidade de permanecer nesta linha da Consciência de Krishna.

Anteriormente, eu já sabia tanta coisa sobre Krishna, Mahaprabhu, Nityananda Prabhu e o Panchatattva, porque nascera numa família de brâmanes Vaishnavas onde sempre se falava e debatia a esse respeito. Eu já tinha uma boa base sobre a filosofia, mas essa não foi a causa de eu ter ficado no Math. A causa foi o afeto de meu Guru Maharaj.

Depois de entrar no ambiente da consciência de Krishna, foi Srila Guru Maharaj quem me deu inspiração, o que desde então tem sempre crescido e nunca diminui. Eu também recebi muita ajuda de seus Irmãos Espirituais. Eles foram sempre muito bons, oferecendo-me algum "alimento" substancial da concepção Krishna. Por isso, eu tenho a oportunidade de não criticar ou insultar a ninguém. Hoje, eu vejo tanto criticismo e insulto aos demais, mas Srila Guru Maharaj sempre elogiou outros Vaishnavas e nunca os criticou.

Para nossa proteção e orientação, às vezes, ele nos dava alguma informação a respeito deles, mas de modo muito honrado. Assim, a oportunidade de eu cometer qualquer ofensa aos Vaishnavas ficou muitíssimo reduzida.

Eu recebi muita ajuda de seus Irmãos e Irmãs Espirituais, e, de tempos em tempos, a irmã de Srila Bhaktisiddhanta Saraswati Thakur vinha se encontrar com Srila Guru Maharaj e ela também me oferecia suas bênçãos. Foi muito útil para mim que o olhar misericordioso de tantos cavalheiros e damas Vaishnavas recaiu sobre mim desde o começo de minha vida sob os pés de lótus de Srila Guru Maharaj aqui no Sri Chaitanya Saraswat Math.